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O ocaso do império.

  • José Murilo de Carvalho
  • 22 de nov. de 2016
  • 4 min de leitura

Oliveira Vianna escreveu O Ocaso do Império em 1925, a pedido de Max Fleiuss, secretárioperpétuo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A data não era casual. Naquele ano celebrava-se o centenário de nascimento de Dom Pedro II. Ou se tentava celebrar, porque em torno da idéia se travou na capital da República uma grande batalha política e ideológica. A polêmica começara na realidade já em 1920 durante os preparativos para as festas do centenário da Independência. Uma lei desse ano, assinada por Epitácio Pessoa, revogara o banimento da família imperial e autorizara o traslado para o Brasil dos restos mortais do Imperador e da Imperatriz. Houve protestos entre republicanos. Mas não eram só monarquistas e simpatizantes que apoiavam a medida. Também republicanos desencantados voltavam-se para o antigo regime e o avaliavam positivamente em relação ao novo. Em 1921, os restos mortais dos imperadores chegaram ao Brasil. As festas da Independência celebraram-se com pompa, mas não sem manifestações voltadas para a necessidade de republicanizar um regime já tido, mesmo por republicanos, como corrompido

Nesse ambiente de controvérsia, Vicente Licínio Cardoso convidou, em 1924, jovens intelectuais pertencentes à primeira geração republicana a darem sua opinião sobre o regime e publicou o resultado no livro À Margem da História da República.2 Procurou ouvir pessoas não marcadas pelas lutas e guerras da propaganda, da proclamação e dos primeiros anos da consolidação. Entre os consultados estavam alguns com reputação já formada nos meios intelectuais da capital: Gilberto Amado, Pontes de Miranda, Antônio Carneiro Leão, Tristão de Ataíde, Ronald de Carvalho e Oliveira Vianna, que escreveu um capítulo intitulado “O idealismo da Constituição”. Apesar da diversidade das perspectivas, houve um ponto de concordância entre os convidados: o desapontamento com o regime implantado em 1889 e a necessidade de busca de novos caminhos.

O próprio organizador, republicano sincero, partilhava a descrença: “Foi profunda”, escreveu na conclusão do volume, “a nossa desilusão, por certo. [...] Vemos a cada momento, em torno a nós, a negação – não só de tudo o que sonhamos, também de tudo o que pensamos.” No mesmo ano de 1924, o manifesto dos líderes da segunda revolta tenentista, ocorrida em São Paulo, forneceu outro forte indicador de insatisfação com a República e de surpreendente, vindo de quem veio, reavaliação positiva do Império. Definindo o propósito da revolta, dizia o anifesto: “O Exército quer a pátria como a deixou o Império, com os mesmos princípios de integridademoral, consciência patriótica, probidade administrativa, e alto descortino político.”3 Em 1925, os revoltosos ainda percorriam o país na coluna Miguel Costa-Prestes.

O centenário acirrou a animosidade. Projeto apresentado na Câmara pelo deputado Wanderley Pinho, neto do Barão de Cotegipe, pedia que fosse decretado feriado nacional o dia 2 de dezembro, aniversário de nascimento do Imperador. Outro neto, agora de Quintino Bocaiúva, o deputado Ranulpho Bocaiúva Cunha, reagiu e denunciou a iniciativa como tentativa de promover uma reação monárquica. A disputa estendeu-se a toda a imprensa e a importantes instituições culturais. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como era de esperar, não só apoiou as comemorações como delas participou ativamente, organizando um número especial de sua revista sob o título geral de “Contribuições para a biografia do Imperador”. Nele, Oliveira Vianna colaborou com dois artigos: “D. Pedro II e os seus ministros” (pp. 874-880) e “D. Pedro II e a propaganda republicana” (pp. 894-903). Carlos de Laet, monarquista impenitente, fez conferência intitulada “D. Pedro, o Magnânino” na Academia Brasileira de Letras, em sessão presidida por Afonso Celso, na presença de 21 acadêmicos e de um neto do Imperador, Dom Pedro de Alcântara de Orleans e Bragança.

A favor das celebrações estavam simpatizantes da monarquia, republicanos desapontados com a Velha Senhora, figura usada pelos caricaturistas para representar o regime vigente, e opositores do governo de Artur Bernardes, pontuado por freqüentes decretações de estados de sítio. Era incômoda a posição dos republicanos ortodoxos. Achavam inadmissível que a República celebrasse o chefe de Estado do regimeque derrubara em 1889. Fazê-lo seria admitir que a proclamaçãofora um erro.

Oposição à celebração, no entanto, poderia ser interpretada como sinal de fraqueza e insegurança de um regime que completava 36 anos de vida.Odesconforto era agravado pela tática usada por muitos republicanos insatisfeitos de se aproveitarem da celebração para comparar os dois regimes, conferindo nítida vantagem para o antigo.

Uma saída tipicamente brasileira foi oferecida pelo republicano Assis Chateaubriand concluiu um elogio a Pedro II dizendo ter sido o velho imperador “a mais luminosa e a mais pura encarnação de republicano que ainda tivemos”.6 Celebrar o Imperador seria, nesse caso, o equivalente a celebrar a República na autenticidade de seu espírito.

O Congresso Nacional acabou não votando a tempo o projeto de Wanderley Pinho, mas o Presidente Artur Bernardes decretou o feriado por conta própria e a data foi celebrada com grandes festas.

Foi nesse contexto que Max Fleius convidou Oliveira Vianna, sócio do IHGB há apenas um ano, a escrever sobre os anos finais do Império, de 1887 a 1889. O tema não era estranho ao convidado. Em Populações Meridionais do Brasil, livro publicado em 1920, já analisara o papel do Imperador e da elite por ele formada na manutenção da unidade do país e da estabilidade política do regime. Em menor profundidade, discutira o Império e a República em Evolução do Povo Brasileiro, de 1923. No artigo que preparou para a coletânea organizada por Vicent Licínio Cardoso, criticara a tendência ao idealismo utópico de nossas elites, imperiais e republicanas.

Nesses textos se podia notar uma visão positiva do Império, sobretudo do Segundo Reinado. Em Populações Meridionais, Dom Pedro II foi elogiado pelo uso que tinha feito do Poder Moderador para domesticar a caudilhagem rural e exercer um papel centralizador e civilizador.8 A postura crítica diante da República só apareceu no artigo da coletânea, uma vez que Populações Meridionais se detém em 1889 e Evolução do Povo Brasileiro fora escrito originalmente para servir de introdução ao censo de 1920. Como tal, era um texto quase oficial, preso a conveniências políticas.


 
 
 

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